2014.12.03

Os Inimigos do Tempo Frio

​Quando o frio nos brinda com a sua presença, não costuma vir só. Com ele, chegam as dores de garganta e do corpo, a cabeça pesada, o nariz sempre a pingar. Sejam as gripes, que, todos os anos, “atacam” milhares de portugueses, ou as alergias, típicas também dos dias mais frios, o melhor mesmo é, como diz a sabedoria popular, tentar prevenir.

Por vezes, confundem-se, talvez por partilharem alguns sintomas e porque, quando o tempo frio se instala, gripes e alergias fazem ambas parte do cardápio de doenças da época. Ou ainda porque, explica Josefina Cernadas, assistente hospitalar graduada de Imunoalergologia, a gripe, que é sempre causada por um vírus, “tem, em muitos casos, sintomas que são coincidentes com alguns que ocorrem em determinadas patologias, como a rinite alérgica, podendo até iniciar-se com sintomas desta natureza”. Porém, são bem diferentes, sublinha. “Enquanto uma síndrome gripal tem sintomas e sinais muito próprios, normalmente por períodos limitados de dias, a alergia referida desta forma só se refere ao facto de uma pessoa apresentar uma sensibilidade aumentada a um ou mais alergénios, podendo esta alergia manifestar-se de várias formas clínicas.” 

Embora este ano a gripe tenha dado tréguas aos portugueses, tendência que, de resto, partilhamos com a Europa, onde a incidência da doença tem sido baixa, ainda podemos vir a ser vítimas de um vírus em constante mutação. Até porque o inverno está apenas no início e, quando o frio aperta, aumenta a probabilidade de dar o ar da sua graça, uma vez que, avança o pneumologista Agostinho Marques, “como o vírus é muito frágil a temperaturas elevadas, a propagação é favorecida pelo ar frio, razão porque as epidemias ocorrem sempre no inverno”. Quanto ao risco, esse depende de vários fatores, avança Josefina Cernadas, estando relacionado com “a estação do ano, o grau e a virulência das estirpes em cada ano, o facto de as pessoas estarem ou não vacinadas, sobretudo as de maior risco, como idosos, doentes com patologias respiratórias crónicas, como a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), imunodeprimidos, etc.”, fazendo ainda parte da equação “aqueles que, no seu dia-a-dia, têm múltiplos contactos, como crianças em idade escolar e trabalhadores que convivem diariamente em ambientes fechados ou em transportes públicos”. 

Alerta em forma de sintomas Febre alta que aparece subitamente, dores que massacram o corpo e castigam o espírito, a que não escapam a cabeça, a garganta, os ouvidos, e, como se não bastasse, ainda entra em cena o nariz, que insiste em manter- se entupido. Se identifica estes sintomas, então pode juntar o seu nome ao da longa lista de vítimas da gripe. “Nos casos correntes”, explica Agostinho Marques, “os doentes sentem-se tão mal que procuram a cama. A infeção atinge as vias aéreas até à profundidade dos pulmões e, nas formas mais graves, causa pneumonia gripal, que obriga a internar os doentes pela gravidade, que pode ser extrema”. Um problema que se agrava com a idade, ou não fossem os seniores um dos grupos de risco, juntamente com as crianças e os doentes crónicos. 

E se, na maior parte dos casos, a doença apenas mói; noutros, pode mesmo matar. “Em cada epidemia sazonal, o número de óbitos por gripe oscila entre quinhentos e mil. A doença é, assim, um problema de saúde pública muito preocupante, apesar de popularmente a palavra ‘gripe’ ser quase sinónimo de doença sem importância”, esclarece o especialista. Contudo, no geral, quando a gripe ataca, pouco há a fazer, a não ser esperar, num braço-de-ferro com o vírus, que se socorre apenas de medicamentos destinados a combater a febre e as dores. “O medicamento mais utilizado é o paracetamol, tomado quatro vezes por dia, com grandes quantidades de líquidos, acompanhado de agasalho no leito e adornado pelo calor familiar”, aconselha o pneumologista. Nos casos mais graves, “pode obrigar ao uso de medicamentos antivíricos e antibióticos para controlo de infeções associadas”.

Vacina Sim, Sempre 

A recomendação não é nova e repete-se todos os anos: os grupos de risco devem vacinar-se. Porque mais vale prevenir, a profilaxia é, diz quem sabe, essencial para os mais idosos, a que se juntam os doentes crónicos, cardíacos, respiratórios, diabéticos, entre outros. “Quando alguém tem dúvidas sobre a indicação da vacina no seu caso especial, a resposta é invariavelmente sim.

Tem asma? Vacine-se! Tem DPOC? Vacine-se! Tem um problema de saúde ainda por esclarecer? Vacine-se”, reforça o médico. Mais recentemente, a este grupo juntaram-se as grávidas, “desde que se verificou o aumento de mortalidade durante a pandemia de 2009”, mas dele faz ainda parte o pessoal de saúde, “incluindo todos os médicos e enfermeiros, e todos os outros profissionais associados ao atendimento de doentes”, única forma de garantir “que não serão foco de propagação da gripe a pessoas mais frágeis”.

Os Inimigos da Época: Ácaros e Fungos 

Inverno não seria inverno sem gripe, mas é também nesta altura do ano que muitas alergias dão sinal. É uma época propícia, avança Josefina Cernadas, a doenças “que tenham como agentes causais a alergia a ácaros e a alguns fungos”. O que está associado” explica ainda, “a questões relativas à humidade e à temperatura do interior das nossas habitações”. A isto junta-se o facto de, nelas, passarmos mais tempo, “o que pode contribuir para um aumento de crises de rinite alérgica e asma brônquica”, tantas vezes confundidas com uma vulgar gripe. Os mais pequenos são vítimas preferenciais. Há, por isso, que estar atento aos sintomas. 

No caso das doenças alérgicas mais comuns, como a dermatite atópica, “uma criança que se coça o tempo todo, que é agitada, que não dorme calmamente, que aparece com lesões cutâneas, sobretudo nas dobras dos braços, nos joelhos e no pescoço tem de ser imediatamente encaminhada para um imunoalergologista. O mesmo se passa com aquela criança que está sempre constipada”, reforça a médica. “Esta tem, na maioria das vezes, uma rinite alérgica a necessitar de tratamento para evitar o aparecimento de patologias mais graves, como a asma. 

Outro sinal de alerta muito importante nas crianças e muitas vezes pouco valorizado é a tosse persistente, muitas vezes associada ao exercício, à corrida, ao riso, ao choro ou tosses noturnas. Nestes casos, um diagnóstico correto e o tratamento adequado evitam a evolução para asma persistente.” 

Informação é Essencial 

Os números são claros: a incidência das alergias tem vindo a aumentar. E, contra factos, há que encontrar argumento, sobretudo se esclarecer uma população que, em alguns casos, ainda está pouco informada. “Quando falamos de alergias, vem-nos logo à ideia a asma brônquica e todas as suas complicações e implicações na qualidade de vida dos nossos doentes”, refere a médica. O que se justifica, uma vez que “esta doença tem uma prevalência elevada na população portuguesa, entre cinco e dez por cento”. 

No entanto, existem tratamentos “altamente eficazes e que nos possibilitam ter os doentes bem controlados, praticamente sem sintomas. Com as armas terapêuticas de que dispomos, temos apenas cerca de cinco por cento de doentes com asmas graves”. Contudo, os estudos mais recentes sobre o controlo da asma nacional mostram que há ainda um longo caminho a percorrer. Porquê? Josefina Cernadas arrisca uma resposta. “É claro que existem múltiplos fatores e o custo da medicação e o seu peso na economia familiar é muito importante, mas é necessário educar os doentes e os cuidadores, no caso das crianças, no que respeita aos efeitos benéficos da medicação e para que serve cada tipo de fármaco prescrito.” Por isso, defende a continuação de campanhas que ajudam a desmistificar “que os ‘medicamentos para a asma fazem mal ao coração’, como ainda hoje se ouve com tanta frequência como há vinte anos e que, ‘às bombas’, se devem chamar inaladores. 

Muitas vezes, para que um doente adira à terapêutica, é necessário despender com ele tempo, falar sobre estes pontos, que vão traduzir-se em ganhos enormes, quer na melhoria clínica dos nossos doentes, como na sua qualidade de vida. O ‘tempo’ que se despende numa consulta de imunoalergologia é um conceito fundamental e que nenhum imunoalergologista pode descurar”.

Fonte: Revista Mais Médis nº5, Edição: Cofina Media​

Mais Artigos