Maria Bettencourt, investigadora Fundação Champalimaud
A resposta a estas questões poderá contribuir de forma importante para desenvolver novas estratégias de combate às doenças oncológicas que, no futuro, podem ser utilizadas como complementares às terapias já existentes.
Neste contexto, a jovem investigadora Maria Bettencourt desenvolve um projeto na Fundação Champalimaud, no âmbito do seu doutoramento em Molecular BioSciences (Universidade Nova de Lisboa, ITQB.) cujo objetivo é perceber como é feita a comunicação entre as células tumorais e as células saudáveis que existem à sua volta no aparecimento de metástases.
Maria Bettencourt, de 29 anos, diz que sempre se interessou pela investigação em medicina e oncologia. “O cancro é a segunda principal causa de morte no mundo e perceber porquê e como é que algumas células se alteram e originam tumores e são resistentes aos tratamentos sempre me intrigou.” Alguma influência pessoal e familiar também contribuíram para que escolhesse esta profissão. Há sete anos, que se dedica aos estudos em Biologia Molecular e à investigação na área da Oncobiologia.
Integrada no grupo do Doutor Eduardo Moreno, que estuda a competição celular e o fitness das células, a investigadora explica que “a competição celular, tal como a própria definição indica refere-se à competição entre células, em que a célula melhor adaptada, mais fit, sobrevive e a menos apta àquele ambiente, menos fit, é eliminada.” No caso dos tumores malignos, “as células tumorais são superfit e adquirem a capacidade de invasão dos tecidos vizinhos. De seguida, podem migrar e entrar na circulação sanguínea. A partir deste momento, podem fixar-se num órgão distante e originar um tumor secundário”, a metástase.
O que Maria Bettencourt pretende compreender é “como essas células tumorais comunicam e ‘escolhem’ onde formar o tumor secundário. E que propriedades tem esse tecido que proporciona as condições ideais à formação da metástase.”
O estudo deste tipo de competição entre células (relativamente recente, descoberto em 2010 pelo Doutor Eduardo Moreno) permite ter uma perspetiva diferente do cancro. “Aqui olhamos do ponto de vista do hospedeiro, nós próprios. Em vez de tentar perceber porque é que as células invadem e porque é que o cancro avança, procuro entender de que forma é que nosso corpo permite esse avanço”, esclarece a investigadora. “Como e porquê que as nossas células são eliminadas? Compreendendo como é que as células comunicam entre si, as células saudáveis e tumorais e estudando o mecanismo de eliminação, poderemos tentar inibi-lo e criar uma nova estratégia para impedir o crescimento do tumor”, diz.
É necessária ainda muita investigação para saber que vantagens existirão ao nível do prognóstico. Mas, “em teoria, ao identificarmos pacientes com células saudáveis menos fit, que poderão ser eliminadas mais facilmente, identificaríamos tumores mais agressivos e com maior capacidade invasiva”, afirma Maria Bettencourt. “Neste caso, seria possível identificar grupos de pacientes com maior risco de progressão da doença e que requerem maior monitorização”
Quanto ao tratamento, os benefícios estão relacionados com a identificação dos “mecanismos que levam à eliminação das células saudáveis e vizinhas ao tumor” que permitirão desenvolver novas estratégias para combater o cancro.
A ciência é fundamental para a sociedade
A investigação está ainda numa fase de biologia fundamental, “iniciando estudos translacionais, com células humanas e amostras de pacientes”, explica a investigadora, salientando “o privilégio de trabalhar num Instituto (Fundação Champalimaud) que nos oferece condições ótimas para este tipo de investigação” pré-clínica e clínica no mesmo espaço e referindo que “há muito para descobrir nos próximos anos.”
“É preciso olhar para a ciência como fundamental para a sociedade”, considera Maria Bettencourt, apontando a “falta de financiamento e condições ao estatuto de bolseiro” como as principais dificuldades existentes no âmbito da investigação das doenças oncológicas em Portugal. “Há muito bons Institutos em Portugal e muito boa ciência e investigação a ser desenvolvida, mas o financiamento e as condições profissionais vigentes como bolseiros estão muito abaixo das expectativas e quase que nos desencorajam”, diz.
O caminho não é fácil para os jovens investigadores. “O tipo de investigação que fazemos exige muito trabalho de bastidores. A publicação de um artigo científico representa 10/15% de todo o trabalho desenvolvido. Passamos por várias experiências, optimização de protocolos e bastantes insucessos até ter de facto um resultado”. O mais duro – diz – “é lidar com as frustrações das experiências que não resultam, é a luta contra o tempo, o tipo de recursos disponíveis que por vezes não são suficientes para responder às nossas perguntas…”
Há, no entanto, o prazer do desafio permanente no trabalho de investigação.
“Perseguimos perguntas, que quando respondidas originam novas questões. É o que mais me motiva. Por outro lado, pensar que o nosso sucesso poderá culminar em novas estratégias de combate ao cancro é sem dúvida muito gratificante”, afirma a investigadora, exprimindo um desejo: “Que o meu doutoramento possa contribuir para entender melhor esta família de doenças a que chamamos cancro.”
Neste vídeo, o investigador principal da Fundação Champalimaud, Eduardo Moreno, explica a competição entre as células.
Tenho Cancro. E depois? é um projeto editorial da SIC Notícias com o apoio da Médis.
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