António de Almeida, Serviço de Hematologia do Hospital da Luz
António de Almeida, 48 anos, acredita que o seu papel "mais importante como médico é estabelecer empatia com os doentes de maneira que se sintam apoiados e seguros com os cuidados de saúde que recebem".
Há duas décadas que trata e estuda as chamadas "doenças do sangue". É o médico que dirige o Serviço de Hematologia do Hospital da Luz, em Lisboa. Coordena também o laboratório de hemato-oncologia do IPO, é diretor da futura Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa e professor na Universidade Nova.
Atividade "entusiasmante e esperançosa"
Entrega-se todos os dias à "atividade entusiasmante e esperançosa" de tratar pessoas com doenças hematológicas (doenças do sangue).
A "possibilidade de cura" ou de "controlo durante muito tempo" de muitas dessas patologias, bem como o "grande número de tratamento inovadores" foram fatores que o levaram a decidir especializar-se nessa área há 22 anos, em Londres.
Especialmente dedicado à hemato-oncologia, louva "a sorte de trabalhar com vários médicos inspiradores" que não só lhe "ensinaram medicina" como "também formaram a sua postura profissional", levando a apaixonar-se pela hematologia. Através deles, diz ter aprendido a deixar-se "fascinar pelos mecanismos científicos do corpo e a conhecer a humanidade individual de cada doente muito para além da doença".
Outro dos motivos que o entusiasmou a seguir esta especialidade foi a "grande ligação ao laboratório, tanto de diagnóstico como de investigação", o que permite ao hematologista "uma grande autonomia no estabelecimento do diagnóstico" e interpretação das suas técnicas, bem como a possibilidade de "estudar doenças raras com alguma facilidade e de ter acesso rápido a novas modalidades de tratamento".
"Tão gratificante como obter uma boa resposta ou mesmo uma cura é saber que um doente se sente tranquilo e confiante nos cuidados de saúde, seja qual for a fase da doença."
Para António Almeida, "é sempre gratificante obter uma boa resposta ou mesmo uma cura num doente". Mais gratificante ainda "é saber que um doente se sente tranquilo e confiante com os cuidados de saúde que recebe, seja qual for a fase da sua doença. Esta confiança transcende a confiança que o doente possa ter em mim como médico e só é possível através de um trabalho concertado de uma equipa multidisciplinar que abrange vários profissionais de saúde e especialidades".
São muitos os casos que menciona entre os que especialmente o sensibilizam, como os de doentes curados que vão de propósito mostrar-lhe os seus filhos, aos que lhe "chamam a atenção para ser mais humano nas consultas..."
Usar o sistema para melhor servir os doentes
Após ter terminado o doutoramento no Imperial College em 2006, António de Almeida voltou para Portugal a convite do professor António Parreira e trabalhou como hematologista clínico no IPO de Lisboa, durante 11 anos. Em 2017 assumiu o cargo de diretor do serviço de Hematologia do Hospital da Luz Lisboa, função que exerce simultaneamente com as de coordenador do laboratório de hemato-oncologia do IPO de Lisboa, professor convidado da Universidade Nova de Lisboa e diretor da futura Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa.
Aos alunos vai transmitindo as ideias que têm norteado a sua conduta. "Acredito que o meu papel mais importante como médico é estabelecer empatia com os doentes de maneira que se sintam apoiados e seguros com os cuidados de saúde que recebem. Isto vale tanto para aqueles com doenças graves, aqueles que estão curados e aqueles que acabam por não ter nenhuma doença. Estabelecer esta empatia, comunicar adequadamente e ter a certeza de que o doente se sente confortado é o maior desafio que sinto como médico." Convicções e objetivos que lançam para plano secundário as dificuldades que enfrenta no dia-a-dia. "Como qualquer médico de qualquer país do mundo, deparo-me diariamente com dificuldades burocráticas frustrantes inerentes aos sistemas nos quais trabalhamos. Uma das maiores dificuldades é ultrapassar estas frustrações e saber usar o sistema, no trabalho diário, para melhor servir os doentes."
"Os aspetos técnicos - pedir testes, prescrever, etc. - podem ser rotina. Atender um doente nunca é rotina, mesmo que as notícias sejam boas."
Apesar da sua experiência e prática clínica, António Almeida considera que "atender um doente nunca é rotina, mesmo que as notícias sejam boas". Na sua opinião, "os aspetos técnicos inerentes à medicina, que testes pedir, que tratamento prescrever, etc, podem ser rotina". Mas "toda a parte de comunicação com o doente é tão ou mais importante do que todo o saber que eu, como médico, tenho", sublinha.
Como dar a má notícia?
E dar uma má notícia a um doente custa-lhe sempre. "É sempre um momento doloroso para os doentes e familiares e nunca consigo ficar indiferente a esse sofrimento."
Costuma usar uma estratégia com três passos: preparar o doente, transmitir a notícia e delinear o caminho futuro a percorrer.
"A preparação normalmente passa por sondar as expectativas do doente ('O que é que já lhe disseram?') e avisar que o que vou dizer não vai ser bom ('infelizmente não tenho boas noticias')." Em seguida, "digo o nome da doença e explico aquilo que é ('Descobrimos que tem um linfoma. É um tumor das células do sangue e dos gânglios.')".
Tão importante como o conteúdo daquilo que diz "é o modo como é dito. Finalmente abordo aquilo que podemos fazer e que perspetivas o doente pode ter", explica. Mesmo quando não existe tratamento, António Almeida considera que é "muito importante delinear uma estratégia de cuidados de saúde para percurso, mesmo na fase final da sua doença".
Tão importante como o conteúdo daquilo que diz "é o modo como é dito".
"Tento sempre transmitir empatia e proximidade através da linguagem corporal e do contacto visual. Valorizo a importância daquele momento e ostensivamente ignoro tudo, tal como telefones e computador, dedicando toda atenção ao doente. Tento falar pausadamente e sem pressa, transmitindo a informação necessária, mas não em excesso. Os silêncios são essenciais para deixar o doente e familiares assimilarem a informação e terem tempo de formular perguntas. No final, faço sempre uma suma de duas ou três frases salientando o diagnóstico e aquilo que vamos fazer."
Responder a tudo com verdade
A "verdade" deve ser totalmente transmitida ao doente ainda que se lhe retire a esperança (nos casos mais graves); ou o doente deve ser "poupado" em relação ao prognóstico? No entender de António Almeida, "um dos fatores que mais consolida a confiança do doente no médico é a honestidade que o médico demonstra". Consequentemente acha que o clínico tem a "obrigação de responder com verdade, sem esconder nada, às perguntas dos doentes, mesmo que as respostas sejam terríveis".
"Sempre que penso em omitir informação tenho que pesar se estou a poupar o doente ou a mim próprio", diz, explicando que tenta sempre "adequar o discurso a cada pessoa". Porque "o essencial é que a mensagem seja clara" e que o médico responda às perguntas e não diga apenas o que ele, e não os doentes, acha importante.
"O essencial é que a mensagem seja clara e que o médico responda às perguntas e não diga apenas o que ele e não os doentes, acha importante."
Responder com verdade às questões colocadas pelo doente, não implica, porém "que os doentes tenham que saber toda a verdade brutal a todo o custo", refere António Almeida. "Há muitos doentes que não fazem perguntas sobre prognóstico e ficam satisfeitos com um plano de ação, adotando uma atitude de vamos vendo, um dia de cada vez."
Na perspetiva do clínico, não é útil "forçar dados de estatísticas de respostas e sobrevivências a quem não aborda este tema. Mesmo porque os dados dão-nos probabilidades e não certezas nos casos individuais", nota, referindo que, no entanto, tenta "explorar se há questões por resolver na vida dos doentes, sobretudo questões legais, como testamentos", aconselhando-os a resolvê-las.
A importância da investigação
À prática clínica, António Almeida junta a atividade académica como professor convidado da Universidade Nova de Lisboa, o que considera "um privilégio enorme" e um "desafio", obrigando-o a estudar e proporcionando-lhe contacto com médicos e outros profissionais.
Continua simultaneamente envolvido em ensaios clínicos multinacionais, "olhando para estratégias de tratamento de algumas leucemias, como a leucemia mieloide crónica".
Ao longo dos anos desenvolveu muitos projetos de investigação laboratoriais, com o objetivo de perceber melhor os mecanismos das doenças e a possibilidade de usar novas abordagens terapêuticas para as tratar.
Além de constatar que "as colaborações internacionais são essenciais" para responder a perguntas sobre doenças relativamente raras como são as do sangue, António Almeida sublinha a importância da investigação para "desenvolver tratamentos novos, mais eficazes e menos tóxicos".
Num mundo ideal, todos os doentes com cancro "deviam ter a oportunidade de escolher se querem ser incluídos num estudo, seja de tratamento ou de observação e recolha de dados", defende. "Só assim conseguiremos ter informação suficiente para melhorar os nossos tratamentos e as vidas dos doentes."
O progresso na qualidade de vida dos doentes é a causa deste médico hematologista que reparte a sua entrega pela clínica, pela investigação e pelo ensino.
Tenho Cancro. E depois? é um projeto editorial da SIC Notícias com o apoio da Médis.
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