"A prevenção deve começar com a informação."
Aos 33 anos, Sandra Lucas coordenava a Unidade de Mama em Ensaios Clínicos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Tinha sido mãe há sensivelmente dois anos quando uma biópsia revelou que o tumor de 6 centímetros que lhe aparecera na mama era maligno.
Após 11 meses de amamentação, sentiu dores no peito esquerdo, mas atribuiu o mal-estar ao facto de o corpo se estar a habituar à sua nova condição. E, tendo em conta a sua idade, não fez o rastreio para o cancro da mama (que é recomendado a mulheres com idade entre os 50 e os 69 anos). A atual consultora imobiliária desvalorizou os sintomas durante, aproximadamente, os noves meses que se seguiram ao fim da amamentação. A primeira grande desconfiança de que algo não estava bem acabaria por chegar, bem visível, quando sangrou ao apalpar o peito durante o banho.
Hoje, com 40 anos, Sandra Lucas não tem dúvidas sobre as consequências que a iliteracia em saúde pode ter no futuro dos doentes. Dirigindo-se em particular às mulheres que acabaram de ser mães, aconselha-as a “estar atentas às mudanças do corpo e a fazer um exame (mamografia ou ecografia mamária, dependendo dos casos)”, pois, durante e após a gravidez, o corpo é submetido a um aumento de produção hormonal, não sendo de excluir que a maternidade em si pode ser considerada um fator de risco, segundo crê Sandra Lucas. “A prevenção deve começar com a informação”, conclui.
Aposta na prevenção
Um estudo publicado na revista académica “Annals of Oncology” revela que mais de 360 mil mortes por cancro podem ser evitadas, só este ano, em toda a Europa, devido à prevenção e à maior capacidade dos meios de diagnóstico e tratamento.
Está provado que os rastreios do cancro da mama, do colo do útero e colorretal — os únicos que são possíveis e aconselhados pelas entidades de saúde — podem reduzir as taxas de mortalidade na ordem dos 80%, 30% e 20%, respetivamente. Como sublinha Vítor Neves, presidente da Europacolon Portugal, “a solução para aumentarmos a qualidade e longevidade do nosso sistema de saúde é apostar na prevenção e deteção precoce e não colocar o foco apenas no tratamento”.
Os rastreios permitem detetar a doença (alterações no corpo humano) ainda em fase inicial, assintomática, isto é, quando as pessoas ainda não apresentam queixas. Quanto mais cedo forem detetadas essas alterações, mais eficazmente se evitará a sua progressão para cancro. “Ao assumir-se que os cancros detetados serão mais precoces, sem invasão local ou metastização, terão um tratamento menos agressivo, mais eficaz, com aumento da sobrevivência e melhor qualidade de vida global”, refere Vítor Rodrigues, presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC).
Inscrito desde os anos 90 nos sucessivos planos de saúde como “objetivo prioritário”, Portugal ainda não consegue garantir a cobertura nacional e completa dos três rastreios oncológicos recomendados pela União Europeia (UE). Para José Dinis, diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, “os rastreios devem chegar à população de forma homogénea, e a Portugal inteiro, mas para isso é preciso que a população adira a estes procedimentos”. Um programa de rastreio organizado de base populacional envolve um conjunto de intervenções das entidades de saúde em três fases essenciais: identificação e convocação da população-alvo, diagnóstico e terapêutica e vigilância após o tratamento. Apesar das melhorias introduzidas no sistema e no programa dos rastreios, os resultados, embora melhores, têm ficado aquém das metas traçadas.
Os rastreios recomendados
Seguindo as recomendações do Conselho da União Europeia, as entidades de saúde limitam a três os cancros que é possível e importante rastrear: cancro da mama, do colo do útero e colorretal.
No cancro da mama, o rastreio (uma mamografia anual ou de dois em dois anos) é recomendado a mulheres assintomáticas (que não apresentam sintomas) com idade entre os 50 e os 69 anos. As mulheres com menos de 50 anos devem procurar ser seguidas pelo médico de família ou ginecologista. Segundo a Liga Portuguesa Contra o Cancro, Portugal regista 6 mil novos casos de cancro da mama por ano, 11 novos casos por dia. Recorde-se que, nas mulheres, o cancro da mama é o segundo mais mortífero (quatro mortes por dia), depois do do pulmão. Mas é também o cancro que regista taxas de sobrevivência mais elevadas (cerca de 80%), segundo os registos da Direção-Geral de Saúde, devido em boa parte às medidas de prevenção.
No cancro do útero, o rastreio destina-se a mulheres que tenham iniciado a atividade sexual não antes dos 20 e não depois dos 30 anos e até aos 60 anos. É feito através da citologia cervical (papanicolau), de três em três anos, após dois exames anuais negativos.
Todos os anos são diagnosticados cerca de mil novos casos de cancro do colo do útero em Portugal, país que regista uma das taxas de incidência mais elevadas da União Europeia. Devido sobretudo aos rastreios e à vacinação contra o vírus do papiloma humano (HPV), encarada como prevenção primária, o número de casos tem vindo a diminuir.
No cancro colorretal recomenda-se o rastreio das pessoas entre os 50 e os 74 anos, através de pesquisa de sangue oculto nas fezes, anualmente ou de dois em dois anos. Um método alternativo, considerado muito mais eficaz, mas mais caro, é a colonoscopia total. É um dos tipos de cancro mais comum nos homens (tal como o cancro de pele, da próstata e do pulmão) e nas mulheres (tal como o cancro da pele, do pulmão e da mama). Todos os anos, 370 mil cidadãos da União Europeia são diagnosticados com cancro do intestino (170 mil morrem; 4 mil em Portugal). No ano passado, em Portugal, o cancro do cólon subiu ao primeiro lugar da tabela de novos casos, com mais de 8 mil doentes, segundo a Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC).
Cancro do Pulmão: Para quando o rastreio?
O cancro do pulmão é um dos mais mortíferos, tanto nas mulheres como nos homens, com maior incidência nos fumadores. O tabagismo é o principal factor de risco: entre 80 a 90% dos doentes com cancro do pulmão fumam ou já fumaram. Considera-se que o tabaco causa 70% dos cancros do pulmão mas só 20% dos fumadores é que o desenvolvem. Em Portugal são diagnosticados 4 mil novos casos todos os anos e, no ano passado, o cancro de pulmão matou cerca de 2 milhões de pessoas em todo o planeta.
O diagnóstico tardio é o principal problema deste cancro, que pode vir a ser alvo de rastreio a curto prazo. “Daqui a dois três anos, este tipo de rastreio poderá ser exequível em bases populacionais”, afirma Vítor Rodrigues, presidente da LPCC. Definidos critérios sobre a população alvo, idades e procedimentos clínicos, o grande desafio será estruturar a oferta de cuidados de saúde para receber o aumento do número de utentes. Um dos grandes problemas deste rastreio é a grande percentagem de utentes que, após o exame (TAC de baixa dosagem) apresenta lesões, como nódulos (falsos positivos), que terão de ser descartadas como cancro, mas que exigem intervenções diagnósticas, algumas delas invasivas.
Comer bem
Além da redução à exposição de diversos fatores de risco, como o tabagismo ou o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, comer bem e ter uma alimentação equilibrada é fundamental para prevenir as doenças oncológicas mas também para sustentar a resistência física dos doentes em tratamento, como sublinha Catarina Sousa Guerreiro, nutricionista da Fundação Champalimaud.
A ementa aconselhada não levanta divergências entre os especialistas: frutos e hortícolas variados, cereais integrais, pouca carne vermelha e laticínios magros, evitando alimentos processados e açucarados.
A esta lista a nutricionista Diana Alexandre, do IPO de Lisboa, acrescenta que o “consumo alimentar desequilibrado e excessivo aliado ao sedentarismo” são fatores promotores do cancro, já que “cerca de um terço dos cancros mais comuns podem ser prevenidos através da dieta, do peso corporal saudável e do exercício físico”.
Tenho Cancro. E depois? é um projeto editorial da SIC Notícias com o apoio da Médis.
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