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A anatomia do cancro segundo um médico cirurgião

Atualizado a 10 junho 2019

Carlos Santa Rita, cirurgião

Como era habitual, naqueles dias de chegada do "Vapor" de Cabo Verde, a doca de Alcântara enchia-se de gente à espera de amigos e familiares, geralmente à procura de uns merecidos meses de descanso, após alguns anos de trabalho duro no Arquipélago. Uns poucos, mais sortudos, aguardavam aquele saquinho com milho preparado para fazer cachupa e matar saudades do prato principal da nossa Terra.

Os meus pais também lá estavam e nós, ainda miúdos, queríamos ver os filhos do casal amigo que ia chegar e não víamos há mais de meio ano.

Finalmente, o barco atracou e os passageiros começaram a sair. Achei os nossos amigos demasiado sérios e entristecidos para quem vinha de férias e soube depois, por uma das crianças, que o pai estava doente e daí a preocupação.

Foi já em casa que escutei a conversa à boca pequena entre os adultos, e ouvi aquele "palavrão" que me pôs em guarda. Segredava o meu pai: "ele tem um cancro no pulmão, possivelmente por fumar demais".

Nunca tinha ouvido semelhante termo, mas pareceu-me logo que não devia ser coisa boa pela sua sonoridade e pelo recato da conversa. E muito menos ouvira, que fumar poderia fazer um mal tão grande, porque sempre me pareceu fascinante aquela imagem de elegância e masculinidade manifestada pelos rapazes, mais velhos, que já fumavam em público!

Tampouco me passou pela cabeça que o termo fora inventado por Hipócrates, em 400 (aC), ao chamar-lhe “Karkinos” pela semelhança com o caranguejo, em que a placa arredondada era o corpo do tumor e as patas representavam os vasos sanguíneos engorgitados que lhe garantiam vida. Esta designação aproxima-se mais do que ele imaginou do que do aspeto real do cancro que, raramente, parece um caranguejo. Outra palavra grega relacionada é "onkos" que significa massa ou carga, querendo com isso mostrar o fardo ou a carga que o corpo transporta. Estas designações, quase metafóricas, englobavam um conjunto maior de lesões tumorais, incluindo abcessos e outras lesões benignas, pois, nessa época, não havia microscópio para as diferenciar no seu real significado.

Com cerca de dez anos, ainda não sabia que antes da Era Cristã tinham existido várias civilizações, algumas muito desenvolvidas, e menos sabia que, num papiro do antigo Egipto atribuído a um tal Imhotep, distinto médico da corte do Faraó, se descreveram tumores, talvez a mais antiga referência conhecida a esta doença. Mais recente é a história de Atossa, uma rainha persa do século V (aC), onde é relatado um tumor da mama que foi ocultando e deixou evoluir até não aguentar mais o sofrimento, acabando, num ato de desespero, por ordenar a um escravo que lhe cortasse o peito com uma faca, imagina-se com que dor, na tentativa vã de resolver o problema.

Fascinado pelo estudo da biologia do cancro

Mas o tempo passou e só voltei a encontrar-me com esta criatura sinistra e insuportável, no terceiro ano da Faculdade, quando iniciei as cadeiras de patologia.

Apesar de se tratar de um ser execrável, obstinado, sádico, desobediente e com um comportamento marginal e a todos os títulos reprovável, o estudo da sua biologia fascinou-me desde a primeira hora.

Achei interessante a forma como ele nasce, sem causa aparente, mas com vigor, crescendo sem dar satisfações e multiplicando-se sem regras e com uma inquietação permanente para se libertar da sua "prisão" inicial, em busca de outros locais para se instalar, com frequência bem distantes, dando origem a novas encarnações, quase sempre mais hostis que a lesão inicial e, quantas vezes, tomando conta do nosso consciente e degradando a nossa vida de relação com familiares e amigos. Mais tarde vim a saber que quando se torna clinicamente percetível, já percorreu um longo caminho biológico que não é facilmente detetável pelos procedimentos atualmente disponíveis.

Esse estudo, mais ou menos teórico, é sedutor porque chama a atenção para as formas sorrateiras com que se manifesta nos primeiros tempos e nos obriga a suspeitar, perante determinados sintomas clinicamente precoces, mas, infelizmente tardios em relação à sua biologia e que nos obrigam a uma luta constante de prevenção se queremos ter sucesso quando lidamos com esta criatura obscena e implacável.

Terminado o Curso de Medicina e a especialização em Cirurgia, a par do fascínio, surgiu muitas vezes o fracasso e, progressivamente, o inconformismo perante um monstro que parecia cada vez mais presente nas enfermarias e, também, a frustração de ver que, embora atingisse, sobretudo, os mais velhos, também atacava gente mais nova e mesmo as crianças não escapavam aos seus tentáculos criminosos.

Cerca de meio século depois daquele episódio na doca de Alcântara, vi o meu melhor amigo ser operado a um cancro da próstata e ser submetido à ablação daquela glândula e à remoção complementar dos testículos, mas estes dois procedimentos violentos não evitaram as metástases ósseas que cedo lhe chegaram nem as dores violentas e o definhamento que o massacraram até ao fim.

Pode dizer-se que o conhecimento desta doença impiedosa e arrogante que, como referi já é falada há muitos séculos, sofreu um grande impulso nos últimos trinta anos e que os avanços da genética e da imunologia permitiram uma melhor compreensão da biologia da célula cancerosa e consequentemente um avanço significativo no tratamento. Mas como em tantos outros flagelos da Humanidade, será através da prevenção que iremos ter os verdadeiros grandes resultados para os nossos doentes.

Relação profissão/cancro

Afinal, por que razão uma célula do nosso organismo, seja da mama, do pulmão, do pâncreas ou de outro órgão qualquer, de um momento para o outro, começa a dividir-se de uma forma descontrolada e origina um cancro?

Durante muito tempo verificou-se que certas profissões ou o contacto com determinadas substâncias conduziam ao aparecimento de cancros em diversas localizações. Apenas alguns exemplos: o caso das crianças adolescentes que limpavam as chaminés na Grã Bretanha no esplendor da era industrial e apareciam ao fim de um tempo com cancro do escroto; as mulheres, que trabalhando na pintura dos ponteiros e dos números dos relógios com tinta misturada com rádio (uma substância radioactiva) para os tornar visíveis no escuro, apareciam mais tarde com leucemias e, cancros da língua e dos maxilares, por levarem os pincéis à boca para os afilarem e tornarem mais eficazes (a comunicação social chamou-lhes “meninas do rádio”); os trabalhadores que construíam o isolamento das casas com amianto e depois desenvolviam tumores da pleura; as mulheres submetidas a terapêutica estrogénica para evitar os sintomas da menopausa e que, posteriormente, tiveram cancro da mama; os vírus que, de forma sábia e elegante, conseguiram inverter o circuito da informação genética, encontrando um caminho oposto àquele que a ciência havia definido; e, finalmente, os casos mais emblemáticos dos fumadores que, ao fim de alguns anos, aparecem com cancro do pulmão.

Se foi relativamente simples concluir uma relação de causa-efeito em quase todos os exemplos apontados porque se tratava de tumores relativamente raros em populações circunscritas, no caso do cancro do pulmão foi extremamente difícil demonstrar e convencer as tabaqueiras que ganhavam rios de dinheiro e tinham a sua própria investigação, muitas vezes publicada de forma enviesada, e foram renitentes em aceitar o dever de alertar os clientes para os perigos do consumo do tabaco.

Mas, depois de conseguida a vitória nesse domínio no mundo ocidental, as tabaqueiras viraram-se para os países subdesenvolvidos e aí campeiam insensíveis ao prejuízo que provocam nas pessoas.

Não é preciso ir muito longe. Cá em Portugal, quando começou a ser obrigatório imprimir, nas embalagens, advertências com os malefícios do tabaco e se proibiu o fumo nos recintos fechados, não faltaram vozes, em horário nobre nas televisões, a condenar essas medidas e a argumentar que o fumo dos escapes dos autocarros e dos automóveis era muito mais perigoso para a saúde do que o fumo do cigarro e continuava a ver-se pessoas dentro dos automóveis, com crianças a bordo, e por vezes, janelas fechadas, num nevoeiro criminoso de fumo de cigarros. O eterno egoísmo do Homem e o seu correspondente desprezo pelo seu semelhante, quando estão em causa os apetites mais insanos.

Presentemente, diminuiu bastante o número de homens fumadores, mas, conta quem sabe, que as mulheres começaram nos últimos anos e estão a ser um grave problema nessa matéria. Esperemos que a lucidez e o bom senso que sempre as acompanham, as façam reconsiderar, pois tem vindo a subir, de forma clara e muito preocupante, a mortalidade por cancro do pulmão no sexo feminino.

Carcinogéneos e envelhecimento

Infelizmente, nos anos 50, o pai daqueles miúdos meus amigos, ainda não tinha esta informação sedimentada e os cerca de vinte cigarros que fumou diariamente durante vários anos, foram o suficiente para lhe ceifarem a vida com pouco mais de quarenta anos.

Só há relativamente pouco tempo se ficou a saber que estas substâncias, conhecidas como carcinogéneos, actuam a nível de determinados genes, provocando mutações, isto é, alterações no ADN que afectam especificamente os genes que têm relação com o desencadear descontrolado da divisão celular, ou porque a aceleram ou porque impedem a sua frenação. E é um mecanismo semelhante que facilita, a dada altura, que algumas células cancerosas se libertem para a circulação e se implantem a distância sob a forma de metástases ou se organizem formando vasos sanguíneos aberrantes através de um fenómeno conhecido por angiogénese. Tudo isto é facilitado à medida que o nosso organismo vai envelhecendo, envelhecimento este que também está dependente do descarrilamento genético e também pode causar, por si só, aquelas mutações, embora mais dificilmente. Esta é uma explicação para a existência de indivíduos que, apesar de nunca terem fumado poderem contrair o cancro do pulmão; só que estes casos são muito mais raros.

Afinal este monstro que nasce e cresce dentro de nós, que nos domina e submete de uma forma sádica e sem contemplações, que nos consome e destrói sem piedade e nos humilha e rouba, por vezes, até a dignidade, nasce connosco, vive à nossa custa e está sempre espiando os nossos movimentos para nos atraiçoar à primeira oportunidade.

A nossa longevidade está condenada a viver paredes meias com este monstro contra o qual temos uma guerra para a vida, difícil, sangrenta, muitas vezes muito dolorosa e sofrida, mas que iremos vencer batalha após batalha!

Inimigo de várias caras

O que ficou descrito permite adivinhar que esta personagem tem várias caras e vários comportamentos, pelo que a designação genérica de cancro é uma forma simplista de abarcar diversas situações que têm em comum a divisão celular descontrolada, a metastização e a angiogénese, mas que se manifesta das mais diversas maneiras não só de acordo com o órgão afetado, como da sua localização nesse órgão e, ainda, de acordo com a especialização que pode ir adquirindo, mercê das mutações genéticas inerentes à sua biologia própria, mas também das condicionadas pelas terapêuticas que vão sendo instituídas.

Realmente, estamos perante um indivíduo com vários recursos e com uma capacidade de sobrevivência notável. Não só consegue ludibriar os médicos durante muito tempo como, depois de detetado e tratado, tem elevada capacidade de reaparecer se não estivermos suficientemente atentos e com elevado grau de suspeição. Para não dizer que, nalguns casos, simula outras doenças e tornam ainda mais difícil o diagnóstico.

A célula cancerosa tem duas características biológicas, entre outras, que a tornam verdadeiramente temível, para além da sua capacidade de se dividir de forma desordenada e descontrolada. Ela é cruel para o seu hospedeiro porque chama a si, prioritariamente, os alimentos ingeridos e, não só os consome até à saciedade, como depois os degrada e torna inadequados para serem consumidos pelo organismo normal. Por isso as pessoas emagrecem e perdem forças e entram em caquexia. O cancro mata-nos à fome.

Além disso, enquanto as células normais necessitam de oxigénio para viverem, as células cancerosas conseguem sobreviver em ambientes com falta de oxigénio através de um processo semelhante à fermentação. O cancro cresce e o organismo definha!

Estes dois recursos da célula cancerosa quase a tornam invencível e obrigam a todos os esforços para iniciar os tratamentos precocemente. Mas há outros aspetos que interessa sublinhar.

Suspeição e vigilância

Muitas vezes, quando é detetado, já sofreu mutações genéticas suficientes para estar preparado a metastizar e, quando pensamos que tudo está bem porque a lesão primitiva continua controlada, surgem sintomas que chamam a atenção para patologia no fígado, no pulmão ou no cérebro e, ao aprofundarmos o estudo, lá está um "herdeiro" instalado, por vezes, mais agressivo que o seu "progenitor". Porém, como se trata de um ser que não obedece a qualquer tipo de lei civilizada, por vezes não tem apenas um "herdeiro", mas múltiplos, dispersos por todo o lado e prontos a reivindicar.

Quando se começou a terapêutica, com algum sucesso, de certas formas leucemia (cancro do sangue), verificou-se que, ao fim de alguns anos de controlo aparente, os doentes, muitas vezes crianças, vinham à consulta com dores de cabeça progressivas e vómitos, sintomas devidos a infiltrações da doença no cérebro. Soube-se depois que este fenómeno acontecia porque a natureza, que nem sempre pensa em tudo, para proteger o cérebro dos produtos tóxicos, criou uma barreira sanguínea que não os deixa entrar naquele "condado", mas esqueceu-se de ser suficientemente exigente para evitar que as células cancerosas aproveitassem esse descuido e aí constituíssem um núcleo de recrudescência.

Estes aspetos que apresentei resumidamente, obrigam a um elevado grau de suspeição na hora do diagnóstico e a um persistente rigor no seguimento de todos estes doentes, mesmo quando pensamos que estamos em terra firme.

Por isso, convém saber que certos sintomas, como perdas de sangue sem causa aparente, corrimentos dos mamilos, cor amarela das escleróticas, comichão persistente, presença de "sinaizinhos" de aparecimento recente na pele (ainda que muito pequenos), alterações súbitas do trânsito intestinal, fadiga fácil, para citar as situações mais frequentes, devem impor a consulta do médico, sempre um nadinha mais sabedor destas coisas que o vizinho do lado, que certamente não ficará descansado enquanto não excluir a presença de um cancro traiçoeiro, algures escondido no nosso corpo. Também, o aparecimento de um “caroço” em qualquer localização, deve ser presumido culpado até prova em contrário, por mais que jure a sua inocência!

O cancro é uma doença crónica, dotada de astúcia e malícia notáveis e, portanto, não há razões para complacência.

Novos horizontes

A cirurgia foi a primeira arma terapêutica para fazer frente a esta besta infrene e insaciável, e continua a ter lugar importante nesta luta. Havia, contudo, um obstáculo relacionado com a falta de mobilidade, com as dimensões e com a localização do tumor, mas havia ainda as limitações inerentes à anestesia e aos riscos de infecção. Era uma arma relativamente eficaz na doença localizada, mas inútil quando já havia metástases, isto é, quando a doença já estava espalhada pelo organismo.

Nos meus primeiros anos de cirurgião, ainda se defendia o recurso a cirurgias altamente mutilantes, porque se pensava que os tumores cresciam em círculos centrífugos e, portanto, quando se operava um tumor, era necessário remover uma margem larga dos tecidos em volta por forma a garantir a eficácia da intervenção. O melhor exemplo deste raciocínio é o que se passava no cancro da mama em que, fosse qual fosse o tipo de tumor e fossem quais fossem as suas dimensões, para além da mama, removiam-se os músculos peitorais e a gordura da axila a fim de trazer os gânglios linfáticos de drenagem com a peça operatória. Esta cirurgia brutal era uma devastadora mutilação física e psicológica para as mulheres que tinham a infelicidade de se sujeitar a ela e deixava-lhes uma marca de sofrimento que as acompanharia pelo resto do tempo em que andassem neste mundo. Alguns cirurgiões ainda ampliavam mais este massacre e havia quem dissesse que a cirurgia do cancro da mama devia ser realizada por duas equipas rivais pois a que fizesse a resseção deveria remover tanto tecido que a outra equipa tivesse dificuldade no encerramento!

De há uns anos para cá os conceitos mudaram muito devido ao melhor conhecimento do comportamento do cancro e, sobretudo no cancro da mama, a cirurgia é, geralmente, muito mais conservadora.

A abordagem dos cancros nas outras localizações obedecia a princípios semelhantes, mas as dificuldades de reconstrução eram ainda maiores porque, para além de remover o tumor e os tecidos e órgãos adjacentes, era necessário reconstruir a anatomia de forma a manter, minimamente a função. É fácil imaginar, nos primeiros tempos, com as dificuldades da anestesia e com as infecções no pós-operatório, o heroísmo dos doentes e a ousadia dos cirurgiões que nem sequer podiam garantir o sucesso imediato da cirurgia quanto mais dos resultados face à doença.

O cancro é considerado uma doença da civilização, na medida em que as condições que esta proporciona, permitem que se viva mais tempo, porque o diagnóstico é mais fácil e porque o tipo de vida moderna, cativa do tabaco, do sedentarismo, dos conservantes e de uma alimentação “artificializada” nos expõe diariamente a múltiplos agentes agressivos de que, geralmente, não nos apercebemos.

Até há relativamente pouco tempo, as principais causas de morte eram as guerras e as epidemias que praticamente não deixavam as populações ultrapassar a média de vida à volta dos quarenta anos.

Mais ou menos simultaneamente, quase pararam as guerras e descobriram-se os antissépticos e os antibióticos, e a esperança de vida subiu imenso em relação a esses tempos e novos horizontes se abriram à cirurgia que se debatia com infeções graves no pós-operatório determinando mortalidades elevadas a seguir às intervenções cirúrgicas. Mas, vivendo mais anos, a incidência do cancro teve mais espaço para crescer.

Por outro lado, a evolução tecnológica permitiu exames laboratoriais mais detalhados e exames imagiológicos e endoscópicos mais perfeitos, capazes de diagnósticos mais precoces e melhores resultados terapêuticos.

Quem diria que os cortes transversais do corpo humano realizados e dissecados primorosamente por Vesálio na demanda da bílis negra de Galeno e eternizados pelos pincéis da escola de Ticiano há quase cinco séculos, seriam uma espécie de precursores da tomografia axial computorizada, atualmente indispensável no estudo dos doentes cancerosos?

Mas a tecnologia também trouxe melhores materiais de sutura manual e mecânica, a cirurgia minimamente invasiva, a cirurgia endoscópica e a cirurgia robótica, com melhores resultados e menor sofrimento para os doentes. A Imunohemoterapia (uso do sangue e derivados) e Fluidoterapia (uso dos soros) veio permitir mais segurança nas intervenções cirúrgicas e, a Cirurgia Plástica e Reparadora, relativamente recente, mas que rapidamente atingiu maioridade, veio permitir um menor sofrimento ao intervir depois de cirurgias mutilantes como acontece nas receções mamárias e da cabeça e pescoço, contribuindo definitivamente para melhorar a autoestima desses doentes. Finalmente, em casos selecionados, a cirurgia das metástases no fígado, pulmão e cérebro, bem como os transplantes de órgão, abrem novos horizontes.

Por outro lado, o desenvolvimento da Anestesiologia e dos Cuidados Intensivos, também permitiram intervenções cirúrgicas em áreas mais delicadas e com níveis de sucesso inimagináveis nos tempos de Halstead e Billroth, duas das grandes referências da cirurgia mundial dos finais do século XIX e início do século XX.

A Fisiatria e a Engenharia Biomédica têm sido fundamentais na recuperação e no conforto de muitos destes doentes.

Muito longe, ficaram os tratamentos inicialmente utilizados como as massagens de água benta, as pomadas e os lenços ungidos!

Prevenção e futuro

A descoberta dos Raios X por Röntgen e do urânio por Becquerel em finais do século XIX e do rádio pelo casal Curie no dealbar do século XX, trouxe novas perspectivas para o tratamento do cancro. Mas, Pierre e Marie Curie viriam a pagar com a vida a glória do Prémio Nobel e a possibilidade de controlar o crescimento local do cancro. Verificou-se, depois, que as radiações emitidas pelo rádio atacavam o ADN funcionando, também, como carcinogéneo, destruindo as células com maior ritmo de reprodução, nomeadamente as da pele, unhas, gengivas, gónadas e sangue. Certamente, pensava-se, também as células cancerosas seriam sensíveis a estas radiações, pois era sabido que se dividiam a um ritmo elevadíssimo.

O aperfeiçoamento progressivo da Radioterapia no que diz respeito aos profissionais (que deviam proteger determinadas regiões do corpo durante a sua atividade) e aos doentes (as radiações deviam ser orientadas exclusivamente para o cancro) deu origem a mais uma arma terapêutica destinada ao tratamento local dos tumores, quer com fins curativos quer como terapêutica neoadjuvante (pré-operatória) ou adjuvante (pós-operatória).

Finalmente, a Quimioterapia que parece ser o tratamento mais racional do cancro visto que lhe subjaz a filosofia segundo a qual, tratando-se de uma doença muitas vezes sistémica, o cancro deve ser abordado através de um modelo terapêutico pretensamente eletivo, que vá à procura das células tumorais nos esconderijos mais recônditos onde muitas vezes se alojam, poupando o mais possível, as células normais.

A descoberta, por Ehrlich, nos anos setenta do século XIX, do Vermelho Tripan, eficaz para a neutralização do Trypanosoma brucei e, na primeira década do século XX do Salvarsan, para o combate ao Treponema pallidum (agente etiológico da sífilis) levou-o a pensar que, também para o cancro, deveria ser possível encontrar um agente químico que atingisse as suas células eletivamente.

Infelizmente, a tuberculose viria a interromper a vida de Ehrlich, antes da descoberta da mostarda nitrogenada para fins terapêuticos, já que para fins bélicos tivera a sua estreia na I Guerra Mundial, com efeitos devastadores. Depois desta descoberta, outros fármacos têm aparecido e melhorado o armamentário terapêutico na luta contra o cancro.

Hoje a Quimioterapia oral é uma realidade e está em fase avançada a possibilidade de utilização de adesivos impregnados para libertação progressiva dos fármacos, o que é um grande avanço no tratamento desta doença e dará muito mais conforto aos doentes.

Os avanços conseguidos durante o século XX, tanto na Radioterapia como na Quimioterapia alteraram a biografia de diversos cancros, como são os casos da mama, da próstata e das leucemias. Outros, porém, continuam difíceis de controlar, como o cancro do pâncreas.

Nos próximos anos serão, seguramente, a Terapêutica Genética e a Imunoterapia a trazer mais esperança. Veremos se serão a última palavra nesta luta sem tréguas em que todos devemos estar empenhados.

Mas todos estes progressos pressupõem muita investigação científica e muitos custos que depois se repercutem nos preços dos medicamentos, por vezes atingindo valores astronómicos, sobretudo se os Estados não tiverem os cuidados devidos para evitar a especulação!

O que se procura hoje em dia é uma abordagem multidisciplinar e personalizada, que engloba vários especialistas e o tratamento é planeado caso-a-caso sem esquecer patologias associadas que possam estar presentes e sintomas resultantes não só da doença como das terapêuticas anticancerosas utilizadas, com particular relevância para as náuseas e vómitos que frequentemente são quase uma nova doença para estes pacientes.

No fim da linha, ficam os Cuidados Paliativos, extremamente importantes e indispensáveis, que devem ser prestados àqueles doentes em que se perdeu a capacidade de curar, mas a quem se deve dar sempre a esperança de um fim de vida digno e sem sofrimento.

Deveria ficar de fora qualquer atitude de encarniçamento terapêutico e de prolongamento cruel do sofrimento, mantendo farrapos de vida apenas por vaidade de quem cuida e egoísmo de quem pede. Mas infelizmente, todos sabemos que não é assim!

Para além do tratamento que, atualmente, permite uma fundada esperança para este mal, há que realçar as insubstituíveis medidas de prevenção como a condenação feroz ao consumo do tabaco, à exposição compulsiva ao sol em busca do tom bronzeado da pele que fascinou as gerações nas últimas décadas do século XX, a utilização atempada da vacina contra o cancro do colo do útero e o recurso às medidas de rastreio fidedignas como as mamografias, as colonoscopias, as ecografias prostáticas e os testes de Papanicolau de acordo com os protocolos estabelecidos.

Os Profissionais da Saúde que cuidam destes doentes são, certamente, credores de toda a gratidão e simpatia, pois carregam diariamente e com reconhecido empenho, esta tarefa difícil, em solidariedade com os seus doentes que, sei de fonte segura, acompanham sempre com abnegação, até ao último momento.

Nas Escolas deverá continuar o alerta relativamente a novos hábitos de vida e deve ser explicado, de forma verdadeiramente pedagógica, o comportamento deste monstro cruel que atormenta as sociedades atuais e sobre o qual não nos devemos silenciar ou falar em surdina como há cinquenta anos, mas ficar alerta e em guarda para continuarmos a ganhar terreno nesta batalha, ainda intercalar, tendo em vista a vitória que todos queremos alcançar. Afinal, às vezes, falhamos nas coisas mais simples.

Tenho Cancro. E depois? é um projeto editorial da SIC Notícias com o apoio da Médis.

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